quarta-feira, outubro 29

Lá estou eu.

Quando me deparei, abri os olhos ao sol de meio dia, os poucos, sem saber onde estava. E galpões me rodeavam, um cais de tríplice naval. Um homem atropelara uma velhinha, que gemia ao chão e ele por sua vez, idoso tanto quanto, balia de medo.
Ficou para trás a visão, apesar da cabeça aparente na janela. E de volta uma moça entra cheia de livros, ela não tem troco. E o cobrador lhe diz para esperar mais alguns pontos, então ela senta torcendo o nariz. Mais a frente um cruzamento de estrangeiros baianos, estrangeiros multifacetados e estrangeiros incomuns. Um homem nu atravessa o passeio, uma baiana balança
suas mil saias e anáguas a frente de seu restaurante de frutos do mar incandescentes, cadeiras ao ar livre e uma imensidão de ninguém. Ao seu lado quatro vagas são para o Projeto A, sete para o banco Safra e nove para os demais. Atrás um estacionamento pago, completamente vazio. Mais uma parada de engarrafamento, a temperatura é de trinta e um graus e a umidade do ar se perdeu no além. Uma menina de roupa rasgada passeia sobre as esquinas, passa pelo meu encontro e desaparece dentre becos. Derreto na cadeira, guardo mais um livro que esqueço de ler por preguiça até que, um velho atravessa o passeio e toma minha atenção com seu chapéu de marinheiro, acena para o baleiro que lhe diz bom dia com aceio. O baleiro por sua vez alimenta um cãozinho de rua que se sente satisfeito com um pedaço de pão com mortadela, o mais delicioso manjar de seus dias. Agradece com o balançar do rabo. Acima um helicóptero sobrevoa os castelos antigos, as ruinas do centro e os animais em sua órbita. Desce um pouco mais e faz as folhas dançarem passos tão marcantes como nunca haverá de ser. E logo em baixo da mangueira, um garoto passeia com sua amada. Segura seus livros e lhe conta algumas baboseiras, é um romântico sagaz. Atravesso finalmente a avenida, olho pra cima e o Lacerda me observa ou ao contrário, quem sabe. Uma ladeira de casas esquecidas e roupas penduradas, engraçado o outdoor com um jeans desbotado ao secar sobre o criador de necessidades. E lá estou enfim! a baía é linda, a água é azul como o infinito céu. O forte reproduz a saliência de minha saudade, a saudade contida, antiga. Não pisco nem falo, mas ouço. E atrás de mim o cara que reclama de ligações da esposa de alguém, mas não, dessa vez o marido ligara, e perguntou quem era o tal do número. Disse apenas ter retornado, pois não sabia de quem era a ligação, e minha curiosidade sonora me acertou de tal forma que pude perceber a raiva contida no seu ranger dos dentes. Casamentos estranhos, pessoas tão iguais. E sim! sim... passou a baía, linda, regente de minhas esperanças, meus sonhos. Por parte a água é tudo que me conduz, me firma as escolhas.
E na Praça da Inglaterra já são doze e trinta e sete, e eu estou atrasada novamente. Rápido atravesso Londres ao corredor de implacáveis comerciantes, desço e subo olhares, vidas a se deportarem de minhas ânsias, e até que me rendo a um outro cãozinho a deliciar-se no frango que gira, gira... e gira. E onde estou? Campo Grande chegou, a praça de meus sorrisos, os pombos comem milho no chão, as crianças correm pelos ladrilhos. O caboclo acena aos céus e a estátua espera que a água escorra por seu jarro. Desço próximo a minha Vitória, ao meu chegar. E correm estudantes tão atrasados quanto minha hora perdida, e rio de igualdade. O telefone do meu antecessor toca novamente, dessa vez ele desliga o celular e diz baixinho " chega ". E então levanto do meu sentar, escorro a mão sobre o bastão metálico, puxo a corda da estadia e desço as escadas do itinerário.

Lá estou eu.

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