terça-feira, janeiro 8

Sorrir dormindo

Chega em casa e olha o relógio, são oito horas da noite.Cansado o bastante, todavia não esquece de acariciar o cachorro,beijar esposa e mimar os filhos.Come qualquer coisa e vai para o computador, são dez horase nada ainda foi feito. A gravata ainda aperta sua garganta mesmoque não esteja com ela envolta do pescoço.Os números oscilam demasiadamente para todos os lados, gráficosvão e vem num frenesi de informações. Através de seus olhos se enxergasua exaustiva luta contra o sono e o cansaço... é mesmo capaz de aguentar isso?Brutos deita em seu pé e lhe arranca um sorriso de canto de boca, eramacio o seu pelo, tão macio quanto foi da quando o encontrou no canil, tão pequenino,uma bolinha de pelos brincando com um chinelo velho jogado em um canto. Mordiatudo que encontrasse pelo chão, nada escapava de seus dentinhos afiados. Ao amanhecereram seus grunidos para subir na cama que o acordavam, era também hora de levantare ir para o trabalho. Quem sabe ele já não sabia disso?Por um instante esqueceu de tudo ao lembrar de Brutos, ele era realmente um bomcão.Volta aos gráficos, percebe que há algo errado. Não há uma equivalência entrea relação investimento/ganho, isso lhe assusta estremece e amedronta.Como poderia resolver tal problema de forma tão rápida? Uma simplesondulação em uma reta lhe faria perder anos de estudos.Sem perceber alguém lhe faz um carinho, era Suzana lhe dizendoque já estava muito tarde. Ela era sua esposa a cinco anos, dedicada,companheira e realmente linda. A conheceu na faculdade, num elevadorcom certos problemas técnicos, por sorte.Nada lhe fez mais feliz (além do nascimento dos filhos) do que sua época de faculdade.Suzana era sua colega de sala, colega de olhares inusitados de dúvidas e de poucas palavrasdentre as aulas. Não eram grandes amigos, nem colegas de trabalhos. Porém, emseus olhos apesar de fita-los com receio, conseguia ver toda uma vida pela frente, uma famíliaum grande amor e um exemplo de mãe.Talvez, por obra de um destino maravilhoso estava no lugar certona hora certa. Um elevador, um botão quebrado e um "Oi" conseguiram selarum futuro radiante. Nela se enxergava o sorriso pelo olhar, a felicidade pelomovimento leve do corpo e a curiosidade por suas mãos, sempre inquietas.Já nele, o cabelo desarrumado lhe dava charme a música sempre nos ouvidoslhe fazia viajar num mundo só seu e seus pensamentos sempre otimistas o levavamà acreditar num futuro feliz.A rendição foi imediata; ele e ela, ela e ele agora juntos. Sorrisos e frases longastomaram seus dias na sala de aula, e pouco a pouco um lugarzinho guardadoem suas mentes e corações.Depois de realmente juntos, decidiram mudar-se para uma cidade onde pudessemcrescer de mãos dadas. Formados e com mais experiência, foram a luta no centroda profissão em seu país. Eram tempos de luta, de procura de emprego e de umpouco de sossego quem sabe.O casamento foi breve,a cerimonia mais linda de suas vidas. A brisa na praia levava os cabelos de Suzana contra seu rosto, e o sol fazia seu vestido branco se iluminar cada vez mais.Os pés estavam descalços e conseguia sentir a areia os massagear bem devagar.Não conseguia pensar em outra coisa, a não ser naquele sublime momento.Hoje pensa o quanto a ama, por tudo que passaram juntos. As dificuldades os fizeramcrescer, os filhos trouxeram a alegria de viver. Júlia era a caçula, com dois anose Lívia a filha mais velha, de seis.Mesmo sem ouvir o que Suzana dizia, sabia que já era muito tardepara conseguir trabalhar. Apesar de não prestar atenção nos númerose nem no que ela dizia, ele sentia uma pontinha de felicidade ao recordar daquelesmomentos.Ela vai dormir, dá um beijo de boa noite e anda devagar em direção ao quartopara não acordar as meninas.Ao terminar sua sina se levanta da cadeira, Brutos faz o mesmo. Toma um banho,come algo novamente e vai dormir.Sonha com Júlia,Lívia e Suzana. E sorri dormindo.No dia seguinte acorda e percebe que tudo aquilo não passoude uma simples demonstração de tudo aquilo que ele vive diariamente.Apesar de todo cansaço, de toda luta e de todos aqueles númerosque cansam em não entrarem em uma equivalência.

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