segunda-feira, fevereiro 11

Dosagem.

Deitado sobre a cama, aquela mesma cama que lhe acompanhou por anos. Ele espera que algo lhe ponha denovo em vida, por outro plano.
Seus olhos, único vestígio de vida externa quando em seu íntimo o pensamento reside todo o tempo, o tempo todo, mero impulso orgânico.
Já não existe mais dor, amor, luz ou calor . Só a vontade de acabar com o tormento, dele e dos demais. Pois para uns despertar é simples, mas em seu caso seguir acordado é a cada dia planejar como morder sua própria lingua, engolir algo que lhe faça mal ou convencer alguém pelo olhar, meticuloso e traidor olhar, a lhe tirar o bem, diga-se de passagem assim tão precioso.
Médicos dos quais mecânicos se fazem, rotulados e experientes amigos da saúde pública. Acreditam em melhorias significativas em quadros de pessoas em coma, o coma do universo pelo qual se vive, se cria, se destroi e infinitamente, se intitula tudo que se puder.
Deitado sobre a cama, aquela mesma cama que lhe faz agonizar diariamente. Aquela mesma cama pela qual tua família espera o "wake up" repentino, e choram, como choram.
Se pudessem descrever aquele olhar, aquela mesmo olhar que por anos brilhou nas pistas de corrida, que prêmios ganhou, fama surtiu e mulheres conquistou. Aquele mesmo, olharzinho, de mais tarde, pai coruja ao nascer sua primeira filha e marido espantado ao ver a esposa no altar. Agora, olhar opaco, olhar taciturno que por si só mais nada diz, mais nada fala. Não lhe abraça com os olhos nem lhe rejeita com os mesmos, nada lhe dispõe, nada lhe compõe..
Olhos opacos, frígidos e insanos. Olhos de um homem que se foi, à muito.
Olhos de um homem, pedaço de homem, figura de homem que se eternizou no infinito e escolheu aquele corpo, para se tornar apenas latente.
Se por meios ele pudesse, sua dosagem iria controlar. Iria proferir, qualquer sinal, qualquer ruído para pedir àqueles que ama, que o amam, que o tanto amam... que deixe-o partir. Que ajude-o à partir, assim por meios dos quais não existem explicações. Enfim dos quais, todos motivos pelos quais, se tornam humanos, se tornam desumanos de muitos dos quais se tornam objetos, vegetais. Só uma deixa, para o eterno debulhar de lágrimas e fincar destinos à eutanasia.

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